sábado, 31 de março de 2007

Não Senhores. Não!

Oh! Senhores. Ouvi, escutai
O ribombar dos canhões
O fragor de mil granadas
Mil fogos, mil clarões.
Escutai crianças chorando
Faces roxas, maceradas.
Ai! quantos pais soluçando
E quantos velhos rezando
Pela paz mil orações.

Tanto sangue derramado,
Tanto jovem mutilado,
Tanto amor sacrificado
No altar das ambições.

Ho! Senhores, Senhores!
Escutai gritos lancinantes
Entre a impiedosa chuva da metralha.
Olhai a imensa câmara de horrores
Centenas de seres agonizantes
Vitimas inocentes da batalha.

Senhores, Senhores!
Vós que pisais chão alcatifado
De majestosos, quentes gabinete.
Governo deste mundo alucinado.
Vós . Que fazeis da raça humana marionetes.
Lembrai-vos que a vida é fugidia,
Também para vós a morte marcou dia
A sua foice afiada não tem dó
Em breve não sereis mais do que pó.
Vós que na terra brilhastes como Sois
Mostrareis no Alem a valentia.
Vós na vossa consciente covardia,
Ordenastes aos outros: «Sede heróis!»

Não Senhores. Não! Por piedade...
Que sejam do arado os sulcos da Mãe Terra!
Deixai viver em paz a humanidade,
Que jaz prostrada , enfim farta de guerra.


GUTA SANTOS 7-1-1972

Tarde na Praia

O Sol no mar reflectido
Tinge de oiro a branca espuma
De majestosas ondas altaneiras
Viajando de longe e uma a uma
Vão rebentar na praia, fragorosas
Abafando na areia o seu rugido

Enquanto a tarde cai e a luz se esfuma
Meus braços nos teus braços são cadeias
Grilhetas de almas misteriosas
Tementes de se verem separadas

Suave nos afaga a brisa amena
A sede matei em tuas lágrimas
Regatos de água cristalina
Dolorosa visão de dores sentidas

Meu remorso, meu pecado, minha vida
O mar salgado...imenso, testemunha
Minha ventura da morte renascida
Ai! Um amor assim nem eu supunha

Reclino a cabeça no teu peito
No teu regaço afogo os meus segredos
Enquanto o coração, quase de dor desfeito
Bate feliz, esquecendo horrores e medos

De tudo antes descrentes, já sem fé
Vão meus lábios os teus lábios procurando
Como náufragos perdidos na maré
A ilha salvadora vão buscando

O teu olhar gaiato desatina
Acorda a minha carne, os meus desejos
Que o pudor à saudade nos condena
E resta para amar, ardentes beijos
.
O mar afaga a areia suspirando
Orgulhoso do amor que abençoou
Nas suas verdes águas embalando
Os sonhos de uma tarde que findou

Guta Santos

Se Deus Existe

«Paizinho, Paizinho. Hoje é Natal !?
Foi este o grito alegre e cristalino
Que brotou espontâneo, alegre e natural
Como sino de aldeia matutino.
«Que me deu desta vez o bom menino ?
Quem me dera que fosse aquele barco grande...
Ou...Mesmo aquele...Assim: Mais pequenino!»

Tenaz onda de dor meu corpo invade,
Quentes lágrimas , da face deslizando,
Abandonam meus olhos com saudade.

Em frente a mim, atónito, pasmado
No rostinho traindo um fundo espanto
Suas mãozinhas aperta magoado
Sem atinar com a razão deste meu pranto,
Meu filho quase chora e fica ali parado.

Meu é filho é feliz. Tem pai, tem mãe.
Tem ainda esperança e fé no Deus Menino
Mas quantos por ai há que nada tem
Vitimas do Mundo ou do destino.

Que razão condenou tanto inocente,
Que pecado mereceu tal desamor?!
“Se há no Universo um Deus omnipotente,
Que lhes dê neste dia paz e amor!


GUTA SANTOS «Todos os Natais»

O Baile

Entre agudos gritos
E penetrantes sons
De música electrónica
Que ora nos embala
Que ora descontrola,
A voz do vocalista
E a velha que nos fita
No canto mais escuro
Daquela sala

Os rostos colados
Os corpos bem juntos
Em feixe, apertados
Olhando sem ver
os que em frente estão...afogueados
Deste mundo de vivos apartados
Dançando, ou julgando que é dançar

O conjunto toca sem parar
A melodia é doce de ninar.
Os corpos estremecem de prazer,
Deixando-se embalar
Enleiam-se penetram-se,
Desejam mutuamente possuir-se.

Magoa olhar à nossa volta
E ver amor passar de mão em mão
Magoa sentir que se está só
Mesmo abraçando alguém na multidão

O baile acabou
A velha não ri
E naquela sala
Quem sonhava acordou.
Nem cantos gritados
Nem sons sincopados
De sons de guitarra.
Desfazem-se amarras
Que os corpos juntou

No velho sobrado
Dorido, pisado,
Vai juntar-se pó.
E eu volto para casa
Mais triste mais só.

GUTA SANTOS

Retrocesso

Quão fútil és humanidade
Tão mal empregas teu dom de racional
Tirana e egoísta ,maldosa, brutal
A inveja à disputa com a vaidade

A ganância de garras afiadas
Descansa a fronte nos seios da luxuria
Seus beiços, escorrendo babas destiladas
Nos alambiques da miséria e da incúria

Mulheres nuas desvariam políticos bem vestidos
Estoiram bombas escandalosas, revelam-se segredos
Alvas carecas senis e desdentados
Rematam em leilão, a honra dos estados.

Em recepções, festanças, em banquetes
Dão-se fraternais abraços venenosos.
Alargando as bochechas em sorrisos
Falam de paz em miados talentosos.
Enchendo seus ventres asquerosos
Assinam pactos, exaltam alianças,
Prometem vastos mundos de abastanças
Alimentam ódios, semeiam esperanças,
Ordenam sem rebuço vãs matanças,
Bebem sangue quente em belas taças
Comem carne humana em pratos de oiro...
Escarnecem povos, credos raças.

Aves de mau agoiro,
Que lá do seu poleiro
Fomentam ou sufocam revoluções
Por sadismo, ambição, dinheiro.
Erguem ou destroçam as nações
Levando guerra e morte ao mundo inteiro
Indiferentes, esfrangalham corações.
Óh! Humanidade decadente
Tuas chagas e feridas são eternas
Só tornarás um dia a ser decente,
Se voltares novamente p’ras cavernas..,

GUTA SANTOS 1964

Chorei Sim

Estive ontem na praia
Um dia mais findava
O disco vermelho do Sol
Aos poucos se afogava
Para lá do mar
Numa agonia lenta

A noite despontava.
Sentado na areia
Contava as ondas
Que uma a uma
Vinham morrer-me aos pés.

A última gaivota
Soltou no ar agudo grito.
Ao longe, uma traineira ia p’ra faina
Os pescadores dispersos
Fumavam no convés

O murmúrio do vento
Fazia-me sonhar
Espalhando-me os cabelos
Que agressivos
Me espancavam os olhos magoados
Cansados de chorar
Chorar sim...! E porque não?
Eu tinha-te perdido
E até a esperança
De um dia te encontrar

Corriam-me das faces
Doloridas, quentes lágrimas
Salgadas como aquelas ondas que eu olhava
E via-te
Cavalgando aquela mais crescida.
Os cabelos soltos
Um riso de criança
Os braços bem abertos
Correndo à desfilada.
Nos lábios...O meu nome
Nos olhos...Mil promessas

Meu corpo estremecia
No peito o coração
Batia a descompasso.
Teu nome...Mais um grito
Da boca me saía.

Porém aquela onda rebentava
Em rendilhados brancos de noivado
Em convulsões de pranto desatado
E só espuma ao pé de mim chegava.
A tua imagem querida...Já não via.

Quando a fria agua me lambia os pés
Numa caricia meiga mas gelada
Compreendia com horror e mágoa
Que não eras tu quem me chamava.

A ti pouco te importa a minha dor
Mas diz amor...!
Num desespero assim...
Quem não chorava.

GUTA SANTOS
1976

Poente de Amor

No horizonte fatal da minha vida
O Sol vai-se pondo docemente
E eu estático, fronte erguida
reconheço enfim solenemente
que tudo em mim é fé perdida
Na solidão tristonha de um poente

E tu que minha alma amargura-te
Não me deixes só um só momento
Redime esta amargura que causaste
Não afastes de mim teu pensamento
A fonte do amor tu a secaste
Com rubras labaredas, vão tormento
Mas as feridas abertas que deixaste
Só em teu corpo causaram sofrimento
O meu já nada o pode magoar
Venceu o desalento a feroz dor.

Tudo ofereço, tudo dou...Sem poder dar
Apenas para merecer o teu amor
Mas só ouço a tua voz a murmurar:
«Amigos, amigos por favor...»
E nada mais de ti posso esperar.

Esmaga, estrangula, esfrangalha
O que ficou da vida que eu vivia
Do passado não deixes nem migalha
E um dia, quando já nada restar
Quando só cinzas houver do que te amou
Sentirás remorsos de acabar
O que um dia outra mulher começou

Não me lamentes, segue antes teu caminho
Eu ficarei à espera eternamente
E se a outro ofertares o teu carinho
Ao beijá-lo nos lábios docemente
Recorda aquele que ainda está sozinho
E que da vida se afasta lentamente.

Na solidão tristonha de um poente
O destino quase tudo me levou
Queimou a fé e a esperança em fogo ardente
E de ti só a saudade me deixou.

Guta Santos

Poema Incompleto

Mãe !? Queria escrever-te um poema,
Pleno de palavras novas, inventadas
Mas não acho talento; Dor suprema !?
E só encontro estas; Vetustas, já usadas. 
Queria dar-te o que em vida pouco dei. 
Mais que amor, ternura... 
É longo o rol, 
Tanto tu mereces, que não sei, 
Se bastará dar-te a lua e a luz do Sol. 
Mereces tudo isto... e muito mais. 
Pobre de mim, não sei o que fazer... 
Como pagar as rugas que te fiz,   
A dor de me parir e outras mais. 
Sei só que a forma de merecer, 
A vida que me deste...
É ser feliz.

 GUTA SANTOS Abril de 2005